Condenados por crimes como homicídio, ocultação de cadáver, abuso sexual e estelionato, militares da Marinha e da Aeronáutica foram expulsos das Forças Armadas, mas mantiveram – por garantia da lei – o direito à pensão destinada aos familiares em casos de morte. São 308 militares considerados “mortos fictos” (mortos fictícios), com 493 pensionistas, nas Forças Aérea e Naval, de acordo com dados obtidos e divulgados pela agência Fiquem Sabendo, especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). O Exército não respondeu ao pedido de informações.
De acordo com as Forças Armadas, 69 militares da Marinha e 239 da Aeronáutica estão entre os considerados “mortos vivos” – ou seja, perderam a patente e os direitos militares, mas mantiveram acesso à pensão. Os valores pagos aos dependentes de militares da Marinha variam de R$ 656,73 a R$ 12.893,21, por mês. As cifras chegam a R$ 350 mil mensais para todos. Somente no ano passado, foram gastos R$ 4.463.253,13 apenas pela Marinha com as pensões. A FAB não divulgou valores.
Como a lei não veda o pagamento de pensão para familiares de militares condenados de acordo com a gravidade do crime cometido, familiares de homicidas, estelionatários e até abusadores são beneficiados, mensalmente, com recursos da União.
O direito à pensão é amparado pelo artigo 20 do Estatuto dos Militares, em uma atualização de uma lei de 1960. De acordo com a regra, o oficial, da ativa, da reserva ou reformado, que perder a patente manterá o direito à pensão aos familiares.
“O oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, contribuinte obrigatório da pensão militar, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço”, diz a Lei 13.954, de 2019.
Os valores despendidos pelo Estado com pensionistas de militares expulsos é muito maior que o divulgado apenas pela Marinha. Como mostrou o Estadão, as Forças Armadas excluíram 16.266 militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica na última década, o que pode aumentar exponencialmente os recursos gastos.
Os militares podem ser licenciados ou excluídos das fileiras das Forças Armadas de acordo com os critérios estabelecidos pelo Estatuto dos Militares. Segundo o relatório disciplinar das Forças, a expulsão poderá ser aplicada quando houver uma sentença transitada em julgado, quando não há mais possibilidade de recursos, com pena de prisão de dois anos, ou quando o militar cometer algum crime contra a segurança do Estado.
Militar usou viatura da Marinha para ocultar cadáver no Rio
É o caso do ex-militar da Marinha, Manoel Vitor Silva Soares, de 33 anos, condenado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver do perito papiloscopista Renato Couto em maio do ano passado. Soares e outros dois militares foram presos em flagrante após sequestrar a vítima em uma viatura da Marinha, matá-la e jogar o corpo às margens do Rio Guandu, em Japeri, na Baixada Fluminense (RJ).
De acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Manoel Vitor auxiliou a ocultar o cadáver do papiloscopista e a descartar o corpo na Baixada. Na época, a Marinha afirmou que “se solidariza com os familiares da vítima e reitera seu firme repúdio a condutas e atos ilegais que atentem contra a vida, a honra e os princípios militares.”
“A MB reforça, ainda, que não tolera tal comportamento, que está colaborando com os órgãos responsáveis pela investigação e informa que abriu um inquérito policial militar para apurar as circunstâncias da ocorrência”, disse em nota.
Após a condenação, Manoel foi expulso da corporação e passou a ser considerado um “morto-ficto”. A mulher dele e o filho passaram a receber uma pensão mensal de R$ 1.133,57, cada. Somente em 2022, ano do crime, os dois receberam R$ 29,4 mil da Marinha.
Outro caso na Marinha, Alex Felisbino Rosa, de 53 anos, foi preso, em 2013, por abusar sexualmente de uma menina de 11 anos, em um cinema de Cabo Frio, Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O ex-militar foi condenado a dois anos e oito meses de prisão e foi expulso da Marinha em 2016. De acordo com os dados das Forças Armadas, a mulher dele recebe R$ 1.133,57 todo mês de pensão.