Falar dos povos originários é falar da vida, diz curadora da mostra
Com o cariçu, uma espécie de flauta, nas mãos, um grupo de indígenas começa a encantar quem passa pelos corredores de uma das salas do Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista. Ao som desse instrumento, eles vão dançando e percorrendo a nova exposição em cartaz no museu, toda dedicada às mais de 175 línguas indígenas que ainda são faladas no Brasil.
Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação entra em cartaz nesta quarta-feira (12), feriado nacional, e fica até 23 de abril. Com curadoria da artista, ativista, educadora e comunicadora indígena Daiara Tukano, a mostra propõe uma imersão nas dezenas de famílias linguísticas às quais pertencem as línguas faladas hoje pelos povos indígenas do Brasil.
A exposição também marca no Brasil o lançamento da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e coordenada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em todo o mundo.
Balançando o maracá [uma espécie de chocalho], Daiara começa a cantar as palavras da língua Guarani Mbya que dão nome à exposição: Nhe’ẽ, Nhe’ẽ, Nhe’ẽ Porã. Ela então explica que o nome significa “boas palavras, bons pensamentos, bons sentimentos, palavras doces que vêm de coração para tocar o coração de cada pessoa”.
“Gostaria de saudar os mais de 5 mil povos indígenas ao redor do mundo, cujos territórios protegem mais de 80% da biodiversidade do nosso planeta. Falar dos povos indígenas e das línguas indígenas é falar da vida, é falar da diversidade e da sabedoria de andar por este mundo com respeito por tudo que há nos rios, florestas, montanhas e mares”, disse Daiara, ao apresentar a exposição a jornalistas.
Daiara lembrou que o mundo vive hoje a maior extinção em massa, provocada pelas grandes mudanças climáticas. “São os povos indígenas que têm estado sempre à frente para a defesa de toda essa vida. Não estamos só falando da beleza das línguas, mas também convidando a todos nós a olhar para cada árvore, a se banhar no rio, a beber uma água pura, a apreciar cada história. Cada língua é um universo de sabedoria, uma filosofia de vida, um infinito conhecimento”, ressaltou a curadora.
Não são apenas belas palavras que ilustram a exposição. Sons, fotografias, vídeos e objetos indígenas – entre os quais trabalhos de Denilson Baniwa, Jaider Esbell e Paulo Desana – são aqui apresentados para contar a história desses povos, mostrando sua identidade e cultura, memórias e trajetórias de luta e de resistência.
A exposição tem uma lógica circular, não importando onde é o começo ou o fim. Em um desses espaços, há uma floresta de línguas indígenas, onde o visitante poderá conhecer a sonoridade de cada uma.
Ao lado, está o espaço Língua e Memória, que retrata o histórico de contato, violência e conflito decorrentes da invasão aos territórios indígenas. É ali que se encontra o monumental trocano, um tambor feito de uma tora de madeira, que, durante a visita, foi tocado pelos indígenas que participaram da sessão de abertura da exposição.
“É a primeira vez que estou vindo [ao Museu da Língua Portuguesa]. Estou encantada. Eu ajudei no processo de organização, mas não tinha visto como tinha ficado, e é emocionante ter as línguas indígenas aqui como um espaço reconhecido e privilegiado dentro do museu”, disse Altaci Corrêa Rubim, representante dos povos indígenas da América Latina e do Caribe no GT da Unesco e professora da Universidade de Brasília.
Altaci é do povo Kokama, que vive no Alto Solimões, no Amazonas. “Queremos, com isso, dar visibilidade à diversidade cultural e linguística dos povos indígenas no Brasil. Que todos possam ter outro olhar sobre os povos indígenas”, disse ela, em entrevista à Agência Brasil.
Segundo Altaci, poucas pessoas falam o Kokama atualmente no Brasil. “Estamos em um processo de fortalecimento. Perdemos mais de 70 anciãos durante a pandemia. E isso foi um baque para uma língua que está em fortalecimento. Por outro lado, isso também nos fortaleceu, porque somos um povo da tríplice fronteira – Brasil, Peru e Colômbia. E unimos forças com o povo do Peru para continuarmos fortalecendo nossa língua”, acrescentou.
Quem também visitou o museu pela primeira vez foi Ytatxĩ Guaja, da etnia Awa Guajá, que vive em Bom Jardim, no Maranhão. “Que bom termos recebido o convite. É a primeira vez que estou em São Paulo”, contou Ytatxi. “Essa exposição é muito linda. A gente queria muito ver isso, nesse momento de encontro no museu”, acrescentou. Sorrindo, Ytatxĩ disse à reportagem ter reconhecido a própria voz em uma das partes do museu que apresentam o som de palavras indígenas.
Em todo o percurso da mostra, é possível encontrar um educador indígena para ajudar o visitante a entender tudo o que está sendo exposto.
Em um desses pontos, um corredor azul com fotos de ancestrais indígenas, curandeiros e mestres da tradição, e que simula um rio, um educador explicou à reportagem da Agência Brasil a importância daquele espaço para a sua cultura: “Estas são pessoas para nos dar continuidade. Trazem a sabedoria do passado e nos jogam para o futuro”, afirmou.
Mais informações sobre a exposição podem ser obtidas no site do museu.
O Museu da Língua Portuguesa tem entrada gratuita aos sábados.